domingo, 28 de março de 2010

UMA CARTA PARA VOCÊ

Quando jovem, não fui melhor nem pior que do que a maioria. Não abusava das pessoas, mas também não permitia que abusassem de mim.
Eu era, de fato, um pouco mais inquieto do que os outros. Desde o tempo do colégio, não me conformava facilmente: queria saber sempre o que havia por trás de tudo, o sentido de cada coisa... E, durante 30 anos, andei aqui e ali perguntando, olhando, comparando, sentindo...
Nessa época, conheci o que é ambicionar uma posição, chegar a ter um futuro assegurado. Provei os frutos da sensualidade e, por isso mesmo, não passei à história da igreja como um santo sem gosto e sem graça. Soube o que significa amar e ser amado por uma mulher, tive o orgulho de ser pai e fiquei assombrado com a profundidade a que pode chegar a amizade entre os homens...
Com o coração na boca eu pedia cada dia mais: mais felicidade, mais prazer, mais verdade, mais, mais...!
Chega, porém, uma idade na vida que lhe dizem: “Agora não há mais nada. E se você quiser amadurecer, acostume-se a contentar-se, a conformar-se com o que há, a ser realista”.
A sociedade comum está cheia de gente “madura”, que sabe conformar-se com o que tem, inclusive com esse pouquinho de rebeldia que os tempos e o bom gosto permitem.
Mas eu decidi não conformar-me. E pedi mais.
Assim, em meio a uma crise generalizada, onde não via como continuar, aceitei de uma vez por todas o fato de que meu coração tinha sido feito para receber o Amor que fez o amor e de que continuaria inquieto até que não encontrasse descanso nele. Minha mulher, meu filho, meus livros, meus amigos...Todos estavam ali e eu os amava. Mas tudo ficava falho sem Deus e somente com Deus tudo tinha sentido: a vida e a morte, o amor e a amizade, a verdade e o perdão aos inimigos, a honra e a pobreza...
Essa foi minha experiência. Não é literatura, nem vontade de fazer um trabalho. Eu estaria mentindo se contasse de outro modo.
Em meus livros, especialmente nas confissões, escrevi de próprio punho meu itinerário, que foi o que realmente aconteceu. É claro que não vou pedir a você, que é bem diferente de mim, que faça a mesma coisa.
Pode ser que você seja daqueles que não fazem perguntas à vida. Então tudo isso lhe parecerá muito vago ( só que pense bem... se não há uma guerra dentro de você, será que não é por você ter estabelecido uma paz vergonhosa?)
Mas também pode ser que minha história lhe pareça familiar, que também você esteja buscando aqui e ali, que hoje se sinta cheio de amor e amanhã completamente vazio... É a você que escrevo esta carta, para animá-lo a continuar procurando; para que não se renda, ainda que tudo contribua para isso; para que você seja, em todos os momentos de sua vida, honrado consigo mesmo.
E, se você não encontrar Deus, não importa; Ele o encontrará.
Sei que não é fácil, do jeito que as coisas estão, falar de Deus, para muitos, infelizmente, Deus não é hoje uma escolha pessoal, mas um costume. Identifica-se Deus com um antigo regime... mas Deus é sua própria profundidade: portanto, não fuja dEle sem mais nem menos, porque você estará fugindo de si mesmo. E, se quiser ter a certeza de não estar falando consigo mesmo, de não estar se tornando um deus à sua imagem e semelhança, procure conhecer Deus apresentado por Jesus no Evangelho, um homem como qualquer um de nós, com palavras iguais às nossas, uma mensagem social exigente, uma ética que não é brincadeira, um Deus homem, cheio de amigos. E verá que a Igreja é uma dura realidade, onde às vezes mal se reconhece o Evangelho. Mas... Por acaso alguém vai querer deixar sua casa, só porque ela tem algumas rachaduras?
Enfim, sempre é bom aconselhar. Você está vivendo numa época em que o Cristianismo tem já mais de 2000 anos: muito caminho foi percorrido, muitas testemunhas já depuseram. De minha parte, apenas posso dizer, ao despedir-me, que Deus me fez feliz.
Desejo-lhe muita sorte, amigo. Aquele que o ouve não está fora de você.
Cada um de nós não é grande coisa, mas ainda que alguém diga o contrário, cada um de nós foi feito para ser feliz.
Desejo-lhe, portanto, que haja felicidade na obra representada no teatro de seu peito: um pequeno teatro, mas que é assistido por Deus.
Cante e continue andando.

Agostinho um coração inquieto.

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